sábado, 10 de dezembro de 2016

Imaginação simpática como fonte legítima de garantia epistêmica

O GERMINA, Grupo de Estudos em Reflexão Moral Interdisciplinar e Narratividade, propiciou-me a oportunidade de me dedicar a questões epistemológicas que estivessem relacionadas à reflexão moral, ainda que numa perspectiva distante das discussões tradicionais de epistemologia moral—que pouco me interessam, para ser franco. Uma destas questões a que fui conduzido a pensar diz respeito ao papel da imaginação simpática na reflexão ética, não porque, do meu ponto de vista, deveríamos tornar esta última vazia de argumentação filosófica—aliás, eu prezo muito pela argumentação na filosofia—, mas porque a imaginação simpática parece ter, de fato, algum peso nas nossas reflexões morais ordinárias, embora esse peso esteja, como quase tudo afinal, sujeito a críticas razoáveis. Uma das minhas contribuições, neste sentido, foi desenvolver um argumento para favorecer a ideia de que a imaginação simpática é uma fonte legítima de garantia epistêmica.

O ARGUMENTO

O argumento pode ser construído de duas maneiras distintas, uma em que se pode chegar à mesma conclusão usando apenas a regra do modus ponens e outra em que se mesclam inferências por silogismo hipotético e modus ponens—o resultado, no final, é o mesmo. Aqui, o argumento será apresentado a partir desta segunda alternativa:
P1. Se o exercício da imaginação simpática nos permite ter acesso a determinados aspectos da realidade, então o exercício da imaginação simpática possui um funcionamento cognitivo (condicionalmente) apropriado.
P2. Se o exercício da imaginação simpática possui um funcionamento cognitivo (condicionalmente) apropriado, então a imaginação simpática é uma fonte legítima de garantia epistêmica.
Logo,
C1. Se o exercício da imaginação simpática nos permite ter acesso a determinados aspectos da realidade, então a imaginação simpática é uma fonte legítima de garantia epistêmica (silogismo hipotético, P1, P2).
P3. O exercício da imaginação simpática nos permite ter acesso a determinados aspectos da realidade.
Logo,
C2. A imaginação simpática é uma fonte legítima de garantia epistêmica (modus ponensC1, P3).
Tentarei, agora, explicar com brevidade cada uma das premissas do argumento.

EXPLICANDO AS PREMISSAS DO ARGUMENTO

P1 pressupõe que o acesso que temos à realidade por meio da imaginação simpática carrega, consigo, um elemento cognitivo. A ideia, aqui, é a de que os outputs do exercício de nossa imaginação simpática, com respeito a estes aspectos da realidade em questão, seriam crenças com maior chance de verdade do que falsidade. É por isso que entendo o antecedente de P1 como implicando a ideia de que o exercício da imaginação simpática possui um funcionamento cognitivo apropriado. Este funcionamento cognitivo, porém, não é apropriado de modo incondicional. Ele é condicionalmente apropriado, uma vez que o exercício da imaginação simpática nos permite ter acesso apenas a determinados aspectos da realidade. Poderíamos até dizer, para expressar a mesma ideia de maneira diferente, que o exercício da imaginação simpática é relevante a um certo domínio de proposições, e não a outros, assim como as demais faculdades cognitivas de que desfrutamos.

P2 entende que tal funcionamento cognitivo apropriado implica que a imaginação simpática é uma fonte legítima de garantia epistêmica, i.e., que ela é uma fonte legítima de garantia da verdade daquilo em que se crê. A ideia, aqui, é a de que a confiabilidade da imaginação simpática implica que ela seja uma fonte segura de garantia epistêmica—reiterando que esta confiabilidade se aplica a certos contextos e não a outros.

Por fim, P3 é, a meu ver, a premissa do argumento que mais filósofos estariam dispostos a rejeitar. Eu sustento, no entanto, que o exercício da imaginação simpática nos permite ter acesso à realidade do Outro, i.e., aos seres que compartilham conosco uma subjetividade. Claro que este acesso está sujeito a críticas razoáveis. Por exemplo, se alguém me questionar se a confiabilidade da imaginação simpática se estende ao acesso à subjetividade de animais invertebrados, tais como moluscos, crustáceos, aracnídeos e insetos, eu tenderia a dizer que, nestes casos, há espaço para dúvida razoável acerca da confiabilidade da imaginação simpática—eu até mesmo estaria disposto a dizer que ela não é confiável nestes contextos. Nestes casos, a meu ver, pesquisas empíricas a respeito da subjetividade destes organismos são requeridas, algo que, de alguma forma, já podemos observar em pesquisas com Carcinus maenas e Apis mellifera.

CONTRIBUIÇÕES À REFLEXÃO MORAL INTERDISCIPLINAR

Uma das contribuições que podem ser extraídas do presente argumento é que, uma vez assumido que obras literárias—e obras de arte de modo geral—elicitam nossa imaginação simpática, e uma vez que se assuma que a imaginação simpática possui alguma relevância na reflexão moral—ao menos em contextos envolvendo seres humanos e outros animais cognitivamente complexos—, então obras literárias—e obras de arte de modo geral—também teriam sua relevância garantida neste contexto. A ideia, aqui, é a de que obras literárias podem chamar a atenção para certos aspectos significativos de nossa vida moral que constantemente passam despercebidos por nós, promovendo uma reflexão ético-filosófica enriquecedora.

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