sábado, 15 de outubro de 2011

Johann Wolfgang Goethe em um poema: Elegia de Marienbad

Goethe, quando em idade já avançada, era conhecido como "o sábio de Weimar".

Johann Wolfgang Goethe foi um poeta, dramaturgo e novelista - o maior nome da literatura alemã, diga-se de passagem, e em todos os gêneros literários - pelo menos no que concerne o entendimento por "gênero literário" atualmente [lírico, dramático e narrativo], onde o épico foi substituído pelo narrativo. Goethe, e é importante salientar, excursionou também pelos campos das ciências naturais {trabalhou com mineralogia e geologia [principalmente nos tempos em que era administrador de Weimar (Goethe, mesmo, chegou a ter coletado cerca de 17.800 amostras de rochas)], botânica [e aqui, em botânica, realizou um dos seus grandes triunfos, ainda que em uma perspectiva metafísica, e não biológica: antecipou a teoria da evolução de Darwin e Wallace, mas numa explicação bastante teleológica e perfeccionista, a qual veremos a seguir], anatomia comparada [foi um dos primeiros - da Idade Moderna - a descobrir o osso intermaxilar no crânio do ser humano] e teoria das cores [sua teoria das cores contrasta com a teoria newtoniana - e não se sabe o motivo, mas Goethe odiava Newton: eu arrisco dizer que talvez fosse pela visão que Newton ajudou a estabelecer do universo, uma concepção mecanicista, diferentemente da visão de Goethe, que entendia o universo como algo orgânico]}. Se formou em direito, mas não seguiu carreira de advogado, ainda que, aos 50 anos de idade, tenha podido demonstrar seu potencial retórico - afinal, Goethe era um homem letrado, que conhecia, pelo que me consta, algo em torno de 50.000 a 90.000 léxicos da língua alemã, e, (por Deus!), sabia usar as palavras como poucos. Goethe também tentou seguir carreira como artista plástico, quando adotou pseudônimos e viajou para a Itália, onde viveu seus momentos mais felizes e definitivamente rompeu com o romantismo, adotando uma estética de influências clássicas. Por esse período, Goethe esteve a se aprofundar em desenho, pintura e escultura, além de ter contemplado as belas villas palladianas em Vêneto. Por fim, Goethe percebeu que "parecia ter nascido para ser poeta".
Goethe em sua viagem à Itália, retratado por seu amigo Johann Heinrich Wilhelm Tischbein, no ano de 1787/88

Em A Metamorfose das Plantas, Goethe criou uma teoria para explicar algo que ele via como sendo evidente: a evolução - pois as coisas mudam, transformam-se e movimentam-se (como ele dirá em um dos versos da Elegia de Marienbad: Formas não vêm e vão perenemente / No arquear da grandeza transcendente?). Sua explicação, numa perspectiva metafísica (platônica) que, dado os rumos da ciência, hoje é desacreditada, era a de que existia uma "planta arquetípica", uma espécie de entidade espiritual, inteligível, e mesmo ideal, e que não poderia ser encontrada em lugar algum do mundo. Ela manifestaria-se em cada planta. Aqui, para quem leu o Livro VII d'A República, de Platão, ou a Sexta enéada, de Plotino, é forçoso pensar que Goethe teria de lá bebido. Este arquétipo das plantas Goethe chamou de Urpflanze [Pflanze, em alemão, é Planta; e Ur, em alemão, é um prefixo que significa "primordial", ou seja, "algo que antecede" (lembre-se do Ur-Hamlet, ou Urfaust)] e, na evolução das plantas, todas estariam tentando alcançar o seu arquétipo: a Urpflanze, a planta que se encontra dentro de cada outra planta (daí o "arquear da grandeza transcendente", verso da Elegia). Aqui é notável como a ciência goethiana dava principal atenção ao aspecto qualitativo das coisas, e aí reside uma grande distanciação das ciências naturais feita da modernidade em diante - com todos os seus méritos - da ciência feita por Aristóteles e os modernos que tentaram excursionar nas ciências sem muito sucesso.

Aos 72 anos, Goethe apaixonou-se por uma jovem de 17, Ulrike von Levetzow. Os dois namoraram e foram necessários dois anos para pedi-la em casamento (tendo, provavelmente, sido o grão-duque Karl August von Saxe-Weimar-Eisenach, quem teria feito o pedido - era o soberano e protetor de Goethe), e a resposta foi, em um momento, desconcertante para o poeta: não, Ulrike não queria se casar com ele. Goethe, que encontrava-se num pequeno balneário chamado Marienbad (daí o nome da supracitada Elegia), passou, então, a desenvolver o poema que aqui será apresentado.

Goethe, seguindo seu imperativo de que o mundo é "metamorfose e mudança"[¹], um "renascimento perpétuo"[²], não saiu da situação como "um personagem ridículo", pois o homem letrado sabia viver como poucos.

Sobre a Elegia.
Leonardo Fróes, o homem de quem me usarei da tradução da Elegia do alemão para o português, fez um incrível trabalho ao traduzir os três poemas que compõem a obra Trilogia da Paixão. Mas é a Elegia de Marienbad, indiscutivelmente, o melhor entre os três poemas que a compõem.

Escandindo a Elegia, percebi que as tônicas eram em geral na sexta, na oitava, e claro, na décima sílaba. Por vezes na sexta, e na oitava não, ora o contrário, ou seja: a métrica adotada por Leonardo Fróes foi o decassílabo heróico e sáfico. Provavelmente, penso eu, uma alternação entre ambos, já que os versos elegíacos foram, desde os antigos gregos e romanos, até a época de Goethe, escritos em alternação de hexâmetros e pentâmetros dáctilos (dístico elegíaco), e que, na língua portuguesa poderia ser representado por alternações entre decassílabos heróicos e sáficos. O ritmo da tradução de Fróes também, pelo menos na maioria das vezes, parece-me constar de pés iâmbicos: uma sílaba átona, ao que se segue uma sílaba tônica, p. ex. "Adeus, ó vidas! No umbral dos Céus". Perceba que há, no entanto, um porém no que digo: em geral, e quem souber escandir poemas perceberá, ele usa tônicas na quarta, sexta, oitava e décima sílabas poéticas. O exemplo que eu dei é um raro caso nas primeiras três estrofes em que não há tônica na sexta, e há na segunda. Mas seria, realmente, necessário escandir a fundo o poema, coisa que eu não fiz, pois não escandi o poema integralmente, apenas alguns versos.

Há de se atentar no início da última estrofe da Elegia de Marienbad: "Perdendo o Todo, eu mesmo, que era outrora / Favorito dos deuses, (...)". É que - se não me engano, pois tudo o que eu falo aqui é por recordação das minhas leituras - em sua autobiografia (a tradução do título não é bem certa por causa de uma palavrinha em alemão que pode significar outras coisas no português, mas é algo como Poesia e Verdade), Goethe fala explicitamente que ele nasceu como sendo o favorito dos deuses, e em uma conversa - epistolar - com Lord Byron, Goethe parece afirmar, novamente, que ele e Byron eram ambos os favoritos dos tais celícolas.

E antes que eu me esqueça, o poema é constituído por 23 estrofes de seis versos, totalizando 138 versos, de esquema rimático (ABABCC), quase uma ottava rima.

[¹] e [²] foram expressões retiradas do ensaio de Leonardo Fróes sobre a vida e obra de Goethe, ensaio que se segue após a obra Trilogia da Paixão do próprio Goethe.

Elegia de Marienbad

Que ora devo esperar de algum rever,
Da flor ainda fechada deste dia?
Com Paraíso e Inferno a te envolver,
Na indecisão tua alma se angustia! -
Adeus, ó dúvidas! No umbral dos Céus
Ela te leva a alçar nos braços seus.

No Paraíso então foste acolhido,
Como se jus fazendo à vida eterna;
Finda a esperança, e o desejo contido,
Cá estava pois a meta mais interna,
E ao contemplar da singular beleza
Secava a fonte ansiosa da tristeza.

Quão ligeiro o bater de asas do dia,
Parecendo os minutos a empurrar!
Fiel selar da noite, um beijo iria
No sol vindouro assim querer ficar.
As horas transcorriam tão normais
E meigas como irmãs, mas nunca iguais.

Esse beijo final, cruel doçura,
Uma trama de afetos desfazia.
O andar se esquiva da soleira escura,
Donde um anjo flamante o repelia.
O olhar se volta, percorrendo a estrada,
Porém frustrou-se: a porta está fechada.

Teu próprio coração se fecha então,
Qual nunca aberto houvesse estado à hora
Bendita junto dela, qual se não
Competisse em fulgor com o céu outrora.
E a atmosfera se enche de aflição,
Desânimo, remorso, repreensão.

Não te resta ainda o mundo? Tais rochedos
Coroados não estão de sombras santas?
Não maduram as safras? Com arvoredos
Entre prados e o rio não te encantas?
Formas não vêm e vão perenemente
No arquear da grandeza transcendente?

No azul celeste, como um serafim
Que a lembra na esbeltez, uma figura
Paira mimosa e vaporosa e assim
Das nuvens sai, ganhando mais altura:
Ei-la a reinar em dança prazenteira,
Das imagens amadas a primeira.

Que não ouses porém mais de um segundo
A aérea estampa em seu lugar reter;
Torna ao teu coração! Lá, nesse mundo
Das formas em mudança, a podes ver:
Lá ela em muitas é constituída,
Mil vezes outra e sempre mais querida.

Como por mim à porta ela aguardava
E felizardo aos poucos me fazia,
Após o último beijo me alcançava
E ainda mais um nos lábios imprimia,
Assim, movente e clara, a efígie amada
No coração a fogo está gravada.

No coração que, qual muralha estável,
Já por lhe dar guarida se sustenta,
Que se alegra por ela ao ser durável
E só sabe de si se a representa,
Que mais livre se sente ao ser contido
E bate mais, por tudo agradecido.

Como o poder de amar se torna extinto,
A carência de amor também sumiu.
Mas pronto a decidir e agir me sinto,
Uma nova esperança me acudiu!
Amor, se inspira sempre aos amorosos,
Deu-me um fervor dos mais deliciosos;

E o fez através dela! – Inquietudes
Maçantes me oprimiam corpo e mente:
Circundavam-me o olhar as cenas rudes
De um coração deserto e descontente;
Mas agora a esperança a porta invade,
Quando ela mesma assoma à claridade.

À paz de Deus, que – lemos – cá na Terra
Vos torna mais do que a razão felizes,
Comparo eu a paz do Amor, que encerra
Na presença da amada o fim das crises.
A alma se aquieta então e não há freio
À sensação de pertencer-lhe em cheio.

Em nosso peito brota a aspiração
De ao mais alto e mais puro e ignorado
Dar-se espontâneo, só por gratidão,
A decifrar o eterno Inominado.
Em face dela, assim piedoso, vi-me
Participar de altura tão sublime.

A um seu olhar, como ao vigor solar,
E a um sopro seu, como aos da primavera,
Derrete-se o egoísmo a degelar
Toda a crosta invernal em que estivera;
Finda o interesse, acaba a teimosia,
Quando ela chega e os põe em letargia.

E como se dissesse: “De hora em hora
A vida se oferece amigamente.
Do passado o registro é incerto agora,
Do amanhã é vedado estar ciente.
E se com a noite eu já me amedrontei,
Com o pôr do sol, que brilha, me alegrei.

Faça pois como eu: sensato e rindo,
Olhe bem o momento! Sem tardança!
Com a simpatia o tome por bem-vindo,
Quer em hora de ação, quer em festança.
Ponha-se inteiro e puro onde estiver,
Para tudo e invencível você ser.”

Bem dito isso, achei: se um deus lhe deu
Do momento essa graça tão presente,
Quem acaso ao amável lado seu
Um eleito da sorte não se sente?
Mas eu, mandado embora, o que faria,
Já sem você, de tal sabedoria?

Ora estou muito longe! E o que convém
Ao minuto atual não sei dizer;
O bom e o belo que dele me advêm
São apenas um fardo a rebater.
Ante a bruta saudade me impelindo,
Só me resta um remédio, o choro infindo.

Choro que jorra e flui mas não tem jeito
De em meu íntimo a flama arrefecer!
Que violento me invade e rasga o peito
Onde a morte e o amor vêm combater.
Se a dor do corpo uma erva faz sumir,
Falha a mente em querer, em decidir,

Em aceitar a ideia de a não ter.
Mil vezes vê-se a repetir-lhe a imagem
Que ou se agasta ou não para de tremer,
Ora radiante, ora indistinta aragem.
Como dessa maré, desse ir e vir,
Um consolo qualquer ainda extrair?

*

Amigos fiéis, deixai-me aqui a sós,
Em meio às fragas, entre musgo e lodo!
Tomai um rumo! O mundo se abre a vós,
A terra é vasta, o céu, sublime todo;
Sondai, juntai as partes com critério,
Sempre a estudar o natural mistério.

Perdendo o Todo, eu mesmo, que era outrora
Favorito dos deuses, me perdi.
A me provar mandaram-me Pandora,
Que mais riscos que bens trazia em si;
À boca dadivosa eles me alçaram
E, ao separar-me dela, me arrasaram.

3 comentários:

  1. Parabéns, Alexandre! Você fez um ótimo trabalho.
    Este é um dos poemas mais lindos que já li na vida. E Goethe um dos meus autores preferidos.

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